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Fazer carreira na mediação imobiliária não é para todos. E a falta de formação profissional e específica continua a ser, em muitos casos, um problema. Para Julie Lefebvre, administradora da Escola Superior de Actividades Imobiliárias (ESAI), “é imperativo que seja aprovado um diploma que fixe requisitos de acesso aos mediadores e agentes” para uma progressiva e necessária “profissionalização e certificação do setor”. Em entrevista ao idealista/news, a responsável defende que é ainda fundamental que as empresas de mediação “sejam as primeiras a exigir excelência e a criarem mecanismos para que seja possível trabalhar apenas com agentes qualificados”.

Na opinião da diretora da ESAI, a mediação “não é mais a atividade de meros mostradores de imóveis”. E a especialista acredita que o processo de reivindicação da qualificação da atividade de mediação “tem de ser iniciado por quem está na mediação com seriedade e profissionalismo”. “Não se pode continuar a olhar para esta atividade tão importante para a economia portuguesa com um olhar tão depreciativo. Enobrecer a atividade, dotando-a de profissionais especializados, com sustentação: requisitos de acesso, com formação devidamente credenciada. Dotar o setor da respeitabilidade que o mesmo impõe é o desafio dos próximos tempos”, salienta.

Para Julie Lefebvre, os agentes imobiliários que exercem a sua atividade com muito profissionalismo não devem aceitar “ser ‘confundidos’ com aqueles que continuam nesta área como curiosos, dotando-se de ferramentas que lhes permitam ser diferenciados dos demais que gravitam na mediação”.

Nesta entrevista escrita para o idealista/news, que agora reproduzimos na íntegra, a responsável daquela que é a única instituição de ensino superior no país dedicada à formação em todas as áreas do imobiliário, reflete sobre a importância da formação como requisito obrigatório de acesso à profissão de mediador imobiliário, sobre os desafios existentes para os profissionais do setor, e faz um balanço da atividade da ESAI ao longo das últimas décadas.

Julie Lefebvre, presidente da Escola Superior de Actividades Imobiliárias

Fazer carreira no imobiliário não é para todos. A falta de formação continua a ser um problema. Concorda? Porquê?

Quando falamos em fazer carreira no imobiliário devemos, em primeiro lugar, determinar a que atividade nos referimos. A Gestão Imobiliária, por exemplo, engloba todas as atividades de caráter científico, logístico e social, fundamentais para todos aqueles que trabalham ou pretendem vir a trabalhar nas áreas de consultoria, avaliação, mediação e promoção no mercado imobiliário. São múltiplas e variadas as empresas e instituições que necessitam de quadros altamente especializados na área do imobiliário e que recorrem frequentemente a profissionais graduados neste setor. Teremos como saídas profissionais e carreiras de sucesso nas seguintes áreas: Gestão de Fundos de Investimento; Gestão de Património Imobiliário; Gestão de Ativos Imobiliários de Empresas; Gestão de Edifícios e Instalações; Gestão de Construtoras; Gestão de Mediadoras; Gestão de Promotoras; Avaliação Imobiliária; Gestão de Projetos Imobiliários.

Quando alude especificamente à atividade de mediação imobiliária, a falta de exigência de formação inicial e da fixação de critérios de entrada para o exercício desta profissão, transformam-na numa atividade que qualquer um pode desempenhar. Ou seja, agentes imobiliários, completamente heterogéneos, atuam no mercado sem uma licença, sob a eventual alçada de responsabilidade da empresa de mediação, o que por si só representa um problema grave. Definitivamente que o número de indivíduos detentores de ensino superior tem vindo a aumentar, no entanto, o “peso” dos que detêm níveis de escolaridade básica e secundária e, por vezes, uma formação deficitária, é ainda expressivo. Falta, efetivamente um regime jurídico que regule a atividade, onde a formação inicial e contínua dos profissionais da mediação imobiliária seja um requisito para o acesso e exercício da profissão.

Ainda assim, o que temos assistido é que, por sua autonomia, os profissionais que, pretendendo ser altamente profissionais e pretendem destacar-se das massas que medeiam e rodeiam esta atividade, procuram especializar-se. Vivem-se tempos na mediação em que é fundamental sermos diferenciadores no serviço que prestamos e exigentes nos padrões que seguimos e, neste sentido a formação profissional e específica tornou-se um fator indissociável. Verificamos uma mudança de “cultura profissional”, fortemente afetada pelo elevado número de pessoas a trabalhar na área, aliada a uma alteração do perfil de consumidor e, neste sentido, a uma mudança no perfil profissional. Apenas falta o enquadramento legal acompanhar este ritmo.

O IMPIC está a ultimar legislação que exigirá formação mínima obrigatória aos mediadores. Que tipo de formação terá de ser essa?

Deverá ser exigida como requisito de entrada uma formação inicial para a possibilidade de exercício desta atividade, diferenciada para a empresa de mediação e para o agente imobiliário. Ao responsável da empresa de mediação deveria ser exigida formação superior prévia, definidas pelo IMPIC. Não sendo uma licenciatura nas áreas tocantes da mediação, deverá acrescer uma formação especializada com matérias específicas, com um número mínimo de horas (equivalente a uma formação executiva, com aproximadamente 300 horas), com aprovação mínima no final.

Ao agente imobiliário, não sendo exigida formação superior, deverá deter esta formação especializada com matérias específicas, com um número mínimo de horas (equivalente a uma formação executiva, com aproximadamente 300 horas). Estas formações obrigatórias deverão ser definidas e certificadas pelo IMPIC e revalidadas periodicamente. A formação inicial, com programas previamente definidos, deve envolver temas bastante transversais, com que os agentes se deparam no seu dia a dia: Direito; Fiscalidade; Gestão; Avaliação imobiliária; Instrumentos de Financiamento; Angariação; Negociação; Ética; Marketing.

Considera que a formação deveria ser um requisito de acesso à profissão?

Atualmente, o único requisito de acesso à profissão depende da licença para a empresa mediadora (para as agências, não para os agentes). A aquisição e atualização de conhecimentos essenciais ao exercício da atividade fica claramente na esfera da mediadora e dependente da vontade própria de quem quer elevar o seu nível de profissionalização. A exigência de uma formação inicial, específica, não só iria conceder as ferramentas primárias e básicas de trabalho, como seria um importante passo no caminho para a profissionalização e certificação do setor. Consequentemente, um setor certificado e fiscalizado iria, por sua vez, contribuir não só para elevar o nível do serviço prestado, mas também para a credibilidade, estatuto e dignificação da profissão.

Seria importante existir um organismo paralelo ao IMPIC para supervisionar este tema? Uma ordem profissional na área da mediação, por exemplo? O que faz falta?

O IMPIC é a entidade dotada dos poderes para regular e fiscalizar o setor da construção e do imobiliário, dinamizar, supervisionar e regulamentar as atividades desenvolvidas neste setor. É, no nosso entender, a entidade que detém o saber e isenção necessária para continuar a regulamentar e supervisionar esta atividade e a implementação de eventuais novas medidas. Não vislumbramos, neste momento, a necessidade de criação de qualquer outra entidade para supervisionar o tema.

Atualmente, a ESAI é a única instituição de ensino superior no país dedicada à formação em todas as áreas do imobiliário. Como tem evoluído o número de alunos ao longo dos últimos anos?

De uma forma global, a análise aos dados relativos a 2021 permitem-nos confirmar a tendência de crescimento que se tem verificado nos últimos anos, nomeadamente no que diz respeito ao número de formandos abrangidos e volume de formação executado. Comparativamente a 2020, verificamos em 2021 um aumento de 26,2% de formandos em formação e um crescimento na ordem dos 8% face ao volume de formação desenvolvido no ano anterior.

2021 foi o ano em que o número de candidatos superou largamente o número de vagas disponíveis (em 20,7%), em que em foram preenchidas todas as vagas no 1.º ano da Licenciatura em Gestão Imobiliária. Para isso, muito tem contribuído a dinâmica de uma nova geração que procura mudar o paradigma deste setor tendo por base a aquisição de conhecimento, a formação, o networking, a investigação, a cooperação e a internacionalização.

A pandemia teve impacto na procura?

Historicamente em épocas de crise, a ESAI regista um aumento de procura de formação pelos profissionais. Nas fases económicas mais conturbadas, as pessoas procuram uma diferenciação, que é fundamental. Diferenciação que apenas é possível de ser adquirida com conhecimento e saber: formação, seja ela executiva ou superior. Especificamente com a pandemia, não identificamos grandes oscilações ou impactos na procura por formação.

A profissão de mediador surge na vida de muitas pessoas como plano B. Ainda é assim?

Cientes de um mercado que continua a chamar a atenção pelos lucros que gera e que muito se especula (diria até intencionalmente), muitos tentam a sua “sorte”, na esperança do chamado lucro fácil. Temos então os oportunistas ou meramente curiosos que, com aproveitamento da inexistência de controle ético ou legislativo sobre a atividade, exercem a sua atividade em part time. Lamentavelmente, assim continuará, com muitos curiosos a rondar a mediação, até serem delimitados requisitos obrigatórios de acesso a esta atividade.

Que tipo de formações/cursos oferece a ESAI?

A ESAI tem na sua oferta formativa conferente de grau cursos únicos em Portugal, nomeadamente a Licenciatura em Gestão Imobiliária, a Licenciatura em Gestão da Edificação e Obras e o Mestrado em Avaliação e Gestão de Ativos Imobiliários. A Comissão de Avaliação (CAE) da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) deu parecer favorável à acreditação da Licenciatura em Engenharia Civil, em associação entre a ESAI e o Instituto Politécnico de Tomar. Assim, acreditamos existir uma forte probabilidade de virem a ser abertas candidaturas para a frequência deste novo ciclo de estudos no próximo ano letivo.

A ESAI disponibiliza um leque alargado de oferta formativa, ao nível graduado e pós-graduado, vários programas de estudos especializados e “à medida” com uma forte ligação ao mundo empresarial (do imobiliário e áreas transversais). Em 2022/2023, a Escola irá apresentar dois novos MBA’s Executivos: a 2.ª edição do MBA em Gestão e Mediação Imobiliária, previsto para iniciar em outubro – MBA dirigido a Consultores Imobiliários que procuram evoluir na carreira ou constituir Equipa, Gestores de Equipa e Diretores Comerciais, Responsáveis de Operações e Recrutamento, Brokers e donos de Agências, Investidores e Empreendedores do setor Imobiliário; e a 1.ª Edição do MBA em Desenvolvimento Urbano Sustentável e Cidades do Futuro – dirigido a todos os profissionais “relacionados com a cidade”, arquitetos, urbanistas, engenheiros, investidores, promotores e mediadores imobiliários, fundos de investimento, e profissionais da construção. Atualmente a oferta formativa da ESAI integra ainda os seguintes programas: MBA em Avaliação Imobiliária, CTeSP em Mediação Imobiliária, CTeSP em Gestão de Condomínios e Edifícios e outros Cursos de Formação Executiva especializada.

Há alguma licenciatura que se destaque?

A licenciatura em Gestão Imobiliária. Há 30 anos, o mercado imobiliário no Reino Unido estava em plena expansão e dotado de muito conhecimento sobre o setor. A ESAI baseou o plano curricular desta licenciatura em licenciaturas congéneres de universidades inglesas. Foi pioneira há 30 anos em Portugal e ainda hoje continua. Procuramos de forma continua e juntamente com os nossos parceiros internacionais, a atualização da sua estrutura curricular baseado no melhor que se faz no imobiliário a nível mundial. Foi a nossa primeira licenciatura, é aquela que existe há 30 anos e a que ainda hoje tem a maior procura com todas as vagas ocupadas no 1.º ano, no ano passado.

A licenciatura é procurada por aqueles que, já a trabalhar na área, procuram ter mais conhecimento e uma especialização e pelo aluno que, sem experiência, procura iniciar a sua atividade no imobiliário. A mediação imobiliária é uma das áreas que a licenciatura abarca, mas quem a procura geralmente são pessoas que querem especializar-se em Fundos de Investimento, Gestão de Ativos Imobiliários, Gestão de Património, Gestão da Promoção e Gestão de Condomínios.

Qual o perfil de quem procura formação na vossa escola? Jovens? Pessoas mais velhas?

No decorrer destas três décadas de existência identificamos que cresceu uma consciência por quem atua diretamente neste mercado e que nos demonstra que, para realmente se trabalhar com elevado rigor e excelência, é necessária formação especializada. Como tal, existe sempre uma elevada procura pelos profissionais adultos que atuam nas diferentes áreas deste setor. A nossa faixa etária predominante consta entre os 35 – 50 anos, sendo que nos últimos anos temos vindo a testemunhar um crescimento constante pelos alunos que terminaram recentemente o secundário e que estão motivados para dar continuidade aos estudos dentro da área do imobiliário. Grande parte vem acompanhando a escola há algum tempo, comprovando que esta decisão é decidida com a ambição por trabalhar num dos setores com maior influência direta na economia do nosso país.

Por isso, ainda se mantém uma maior procura por pessoas com mais experiência (não necessariamente na mediação). No entanto, a tendência dos últimos anos é de jovens que terminam o ensino secundário e que por gosto e por opção procuram o imobiliário como carreira.

Há mais procura por parte de quem já trabalha na profissão ou de pessoas que querem começar?

Regista-se e mantém uma maior procura por pessoas que já trabalham na área. Contudo, e em virtude da multiplicidade dos mecanismos de acesso ao Ensino Superior, da diversidade das origens dos alunos e do aumento da própria oferta formativa, podemos falar de um perfil de aluno mais amplo e heterogéneo no que concerne às suas características, mas ainda assim homogéneo nas motivações e objetivos que o trazem à Escola. Falamos de um perfil que, independentemente de estar mais ou menos relacionado com a área do imobiliário e da construção, procura um ensino de teor prático, altamente profissionalizante e atento às novas demandas do mercado laboral e às mudanças sociais. Muito mais que um emprego ou uma saída profissional, é um aluno que procura um estudo em proximidade e a criação de uma rede de networking, onde a experiência e opinião de docentes e outros alunos são “pontes” facilitadoras para o seu crescimento pessoal e profissional.

Em termos de proveniência do aluno, a aposta tecnológica que a ESAI fez tem potenciado a captação de novos públicos fora da base regional de recrutamento (Área Metropolitana de Lisboa) e tem permitido a frequência do ensino por alunos residentes nas mais diversas regiões do país, ilhas, de alguns países europeus, do Brasil e de Angola, contribuindo, assim, para um perfil de aluno multicultural e sem fronteiras. É, efetivamente, um aluno que valoriza cada vez mais e procura, a participação em projetos de investigação e de produção científica, em redes de parcerias, de cooperação e de mobilidade internacional.

E quais os grandes desafios para os profissionais do setor no atual cenário?

Referenciando especificamente a atividade de mediação, todos estamos conscientes que a mediação não é mais a atividade de meros mostradores de imóveis. Evoluiu muito para além disso. Temos hoje um mercado exigente e complexo, com consumidores informados, cientes do que pretendem e que desejam modelos de negócio bastante diferentes do que a mera aquisição de imóvel. Este é o novo paradigma, a mediação não pode ficar como se apresenta hoje, é forçoso que exista uma mudança radical.

E aos agentes imobiliários, que exercem a sua atividade com muito profissionalismo, não aceitarem continuar a ser “confundidos” com aqueles que continuam nesta área como curiosos, dotando-se de ferramentas que lhe permitam ser diferenciados dos demais que gravitam na mediação. O processo de reivindicação da qualificação da atividade de mediação tem de ser iniciado por quem está na mediação com seriedade e profissionalismo. É imperativo que seja aprovado um diploma que fixe requisitos de acesso aos mediadores e agentes, dando base de sustentação às necessidades do setor. Não se pode continuar a olhar para esta atividade tão importante para a economia portuguesa com um olhar tão depreciativo. Enobrecer a atividade, dotando-a de profissionais especializados, com sustentação: requisitos de acesso, com formação devidamente credenciada. Dotar o setor da respeitabilidade que o mesmo impõe é o desafio dos próximos tempos.

No nosso entender, o primeiro grande desafio passará pelas empresas de mediação em Portugal tomarem consciência que a multidão de agentes imobiliários numa agência, por si só, não confere qualidade ou credibilidade à mediação. É fundamental que exista qualidade e não quantidade. Formação dos agentes com mínimas formações de técnicas de vendas não conferem diploma de agentes imobiliários aptos a atuarem neste mercado. Ainda que se aguarde a regulamentação do setor e exigências de requisitos de acesso, não se pode esperar que o diploma seja publicado. É imperativo que as empresas de mediação sejam as primeiras a exigir excelência e a criarem mecanismos para que seja possível, trabalhando apenas com agentes qualificados.

Artigo desenvolvido pelo Idealista (www.idealista.pt). Lisboa, Julho de 2022