Segundo o Instituto Nacional de Estatística, a taxa de inflação em Portugal acelerou para 10,2% em outubro, a mais alta desde maio de 1992. A necessidade de salvaguardar as exigências sanitárias provocadas pela pandemia Covid-19, que levou os bancos centrais a elevadas injeções de liquidez nas economias “QE – Quantitative Easing”, associada aos desequilíbrios causados pela guerra na Ucrânia, na origem do aumento do preço da energia e de outras commodities, nomeadamente as alimentares, contribuiu para esta pressão inflacionista.
O BCE está mandatado para garantir a estabilidade dos preços, tendo flexibilizado o seu objetivo para níveis de inflação em torno dos 2%. O registo da inflação na zona euro situou-se, em outubro, nos 10,7%, muito acima do seu target de estabilidade, sendo conhecido que a variável macroeconómica contra cíclica à inflação é a taxa de juro. Neste sentido, a 27 de outubro, o BCE procedeu ao terceiro aumento da Refi Rate este ano, agora para 2%. O aumento da taxa de juro tem um impacto negativo nos níveis de consumo e de investimento, ajustando a oferta e a procura. As grandes questões são, então, qual o período necessário para que esse ajustamento se concretize e se os aumentos da taxa de juro darão, ou não, origem a uma recessão económica.
Quanto ao impacto que podemos esperar no mercado imobiliário português com o aumento expressivo da taxa de inflação: em primeiro lugar, o aumento da inflação leva a um aumento das taxas de juro dos empréstimos, pelos motivos já referidos, sendo elevada a correlação da Refi Rate e das taxas Euribor indexadas aos contratos de crédito à habitação; taxas de juro mais elevadas deverão continuar a marcar os próximos tempos e a ter como consequência o adiamento de decisões de investimento, a diminuição da procura bem como do número de transações imobiliárias. A procura de imóveis está também diretamente relacionada com a evolução do rendimento disponível das famílias, com tendência, neste contexto, para cair em termos reais, e com a taxa de desemprego (previsão de 5,8% – BP 2022). Note-se que, por enquanto, o mercado de trabalho está a resistir e, na maioria das economias desenvolvidas, a taxa de desemprego situa-se em mínimos registados há quase 20 anos. No entanto, começam a surgir sinais de moderação no ritmo de criação de emprego e, na Europa, o próprio BCE já referiu que as subidas das taxas de juro terão um impacto negativo no mercado de trabalho.
“..começam a surgir sinais de moderação no ritmo de criação de emprego e, na Europa, o próprio BCE já referiu que as subidas das taxas de juro terão um impacto negativo no mercado de trabalho..”
Entre 2015 e 2019, o principal motor do crescimento dos preços dos imóveis foi a progressiva recuperação da procura interna que, por sua vez, beneficiava de uma conjuntura de taxas de juro baixas, num contexto de recuperação do rendimento das famílias e de diminuição dos níveis de desemprego.
Do lado da oferta, o principal motor do aumento do preço dos imóveis reside, maioritariamente, no aumento dos custos da construção, registado principalmente em 2021 e 2022, verificando-se, presentemente, números baixos de emissão de licenças de construção, bem como de obras concluídas, face aos níveis de 2008.
O ciclo económico do mercado imobiliário permanece em tendência expansionista, sem a existência de sinais de sobreaquecimento, ou seja, o número de imóveis construídos continua a ser inferior à procura. Contudo, a possibilidade de ocorrência de uma retração da procura poderá conduzir a que a oferta de imóveis disponíveis ao longo de 2023 se torne excedentária, podendo resultar num cenário de correção dos respetivos preços.
Neste contexto, a perspetiva de curto prazo é a de uma inflação persistente, ou seja, mais alta durante mais tempo. Outros fatores, tais como a depreciação do euro face ao dólar, a manutenção de constrangimentos nas cadeias de abastecimento e a tensão nos mercados energéticos durante este inverno, contribuirão para o atual contexto de subida rápida das taxas de juro, que deverá provocar uma redução da procura interna de imóveis e, naturalmente, uma desaceleração/contração dos preços no mercado imobiliário.
Artigo de opinião publicado em Dinheiro Vivo (www.dinheirovivo.pt). Lisboa, Novembro de 2022